Tocantins: após governador defender segurança jurídica no campo, movimentos sociais divulgam carta com cobranças

Nossa luta é por justiça, terra e dignidade! A liberdade da terra e a paz no campo têm nome: Reforma Agrária”, destacam no documento.

Governador em reunião com representantes do agronegócio. Foto: Divulgação/Governo do Tocantins.

Nesta segunda-feira (13) o governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos), reuniu-se com representantes do agronegócio tocantinense na sede da Secretaria de Estado da Agricultura e Pecuária (Seagro), em Palmas (TO). O objetivo foi reafirmar as políticas adotadas pelo Estado para garantia jurídica aos produtores rurais e evitar movimentos e invasões de propriedades.

A reunião contou com a presença do presidente da Federação da Agricultura do Tocantins (Faet), Paulo Carneiro; do presidente da Aprosoja, Dari Fonza; do presidente da Cooperativa Agroindustrial do Tocantins, Ricardo Khouri; e de presidentes de sindicatos rurais.

Em vídeo, o governador pede auxílio ao Poder Judiciário e outros órgãos para garantir segurança no estado. “A segurança jurídica no Estado é a nossa preocupação. Não permitiremos invasões de terras no nosso território, queremos que os empreendedores que escolhem o nosso estado para os seus investimentos tenham essa segurança. Peço ao Poder Judiciário e aos órgãos de controle que nos ajudem nessa missão. Não podemos permitir o retrocesso, queremos um Estado seguro, crescendo e que a população tenha a oportunidade de emprego”, destaca.

Para Barbosa, o agronegócio é uma vertente econômica muito respeitada no mundo inteiro e o Tocantins é um lugar propício para investimentos. “Nós queremos dizer aos representantes do agro que escolham o Tocantins para investir, que o Estado lhes dará segurança jurídica”, afirma.

Repercussão

Em resposta a estas declarações, 19 movimentos sociais divulgaram uma carta, elaborada pela Articulação Tocantinense de Agroecologia (ATA), repercutindo a fala do governador e destacando a Reforma Agrária como solução para paz no campo.

Leia na íntegra abaixo:

NOSSA LUTA É POR JUSTIÇA, TERRA E DIGNIDADE!

A liberdade da terra e a paz no campo têm nome: Reforma Agrária.

Nós, movimentos sociais, sindicais, pastorais sociais, organizações sociais, associações de trabalhadores/as e organizações da sociedade civil organizada do Tocantins recebemos com muita preocupação pelos meios de comunicação o discurso do Governador do Tocantins quanto a segurança jurídica no campo após reunião realizada no último dia 13 de março de 2023 com setores ligados ao Agronegócio do Tocantins.

Historicamente o estado do Tocantins foi marcado por inúmeras violações de direitos humanos dos povos do campo, do cerrado, das águas e das florestas a exemplos de grilagens de terras, expulsões, expropriações, despejos, ameaças, assassinatos e trabalho escravo. O assassinato de Padre Josimo Tavares em 10 de maio de 1986 e de Raimundo Nonato Oliveira “Cacheado, no dia 13 de dezembro de 2022,” na região do Bico do Papagaio são marcas de um Tocantins violento e marcado por grandes desigualdades econômicas e sociais no campo, tendo na concentração da propriedade da terra, privada, excludente, uma das suas características.

Os dados apresentados no Caderno de Conflitos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 2022 denunciam o aumento dos casos de conflitos por terra, água e trabalho escravo na região Norte do Brasil e alertam para várias questões sociais latentes ainda não sanadas pelos governos federal e estadual.

O verdadeiro desenvolvimento social e econômico para o campo tocantinense não passa pelo policiamento e a militarização da questão fundiária, mas primordialmente pela democratização do acesso à terra, a defesa dos territórios e de seus povos que lutam e resistem à discriminação secular. É necessário que o Estado brasileiro garanta dignidade e respeito aos povos do campo, a suas tradições, seus modos de vida, suas culturas, tradições e às suas lutas históricas por justiça e paz verdadeira, tendo em vista os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, entre os quais destacamos o da função social da propriedade.

A narrativa da violência anunciada pelos governantes não cabe no momento histórico por que passa o povo brasileiro, pois vivemos em um Estado Democrático de Direito, temos rejeitado o autoritarismo há várias décadas.

São dever do Estado a proteção e garantia da vida, e o respeito aos direitos humanos do seu povo, independente de raça, gênero, orientação sexual, crença e ou classe social.

A paz no campo virá com a garantia do acesso à terra aos camponeses/as, com a demarcação das terras indígenas e quilombolas, com a garantia dos direitos das quebradeiras de coco babaçu, dos pescadores, ribeirinhos e extrativistas, com o respeito da dignidade do trabalho. Isso exige entre outras políticas um eficiente plano de fortalecimento da agricultura familiar no Tocantins.

A segurança jurídica não se fundamenta apenas na ação das forças de segurança a favor de fazendeiros, mas sobretudo na garantia constitucional do direito à terra a quem tem direito. Neste caso, a ação do governo do Tocantins deveria ser em manifestar apoio para que a União demarque as terras indígenas reivindicadas há vários anos, regularize os territórios quilombolas e garanta uma reforma agrária que possibilite o acesso à terra para centenas de trabalhadores e trabalhadoras rurais no Tocantins.

Não pactuamos com discursos de ódio, violentos e jamais aceitaremos que as nossas vozes sejam silenciadas pelo autoritarismo. A nossa luta é pautada pelo diálogo permanente com a sociedade, os governos e as instituições democráticas.

Palmas, 14 de março de 2023.

Assinam esta carta:
Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD – Núcleo Tocantins
Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins – APA-TO
Associação Regional das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio – ASMUBIP
Central única dos Trabalhadores – CUT
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Centro de Direitos Humanos de Palmas – CDHP
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – CEDECA Glória Ivone
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins – COEQTO
Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS
Comunidade Saúde e Educação – COMSAUDE
Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores/as Familiares do estado do Tocantins – FETAET Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu – MIQCB
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento Estadual de Direitos Humanos – MEDH
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Praia Norte
Sindicato dos Trabalhadores em Educação no estado do Tocantins – SINTET
Sindicato dos Servidores Públicos Municipais do estado do Tocantins – SISPMETO